
“A Nivel de Espreção”
“Se você se dispor a atuar apenas a nível empresarial, não estará cumprindo sua missão integralmente. Enquanto pessoas humanas, também temos um importante compromisso social, no sentido de consolidar o futuro do nosso país.”
Parece texto dos redatores do programa de televisão “Casseta & Planeta”. Mas o assunto é sério: trata-se da síntese de um discurso de apresentação do balanço social de um grande banco nacional, feito por um de seus diretores. O mais curioso, no entanto, é que, para grande parte dos ouvintes, esses açoites na língua portuguesa soaram como o mais solene vernáculo. Erros de concordância e deslizes de vários tipos, embora sempre constrangedores, são comuns mesmo entre profissionais de destaque no mundo empresarial. O problema é que nem sempre são detectados e pouca gente está realmente preocupada, ou qualificada, em esclarecer tais equívocos. Mesmo assim, eles sempre acabam impressionando, e mal.
“É lamentável que tantos profissionais, com nível superior e até pós-graduação, cometam erros tão crassos”, critica a professora Laurinda Grion, que durante sua experiência de anos como secretária executiva compilou o material para seus dois livros, 100 Erros de Português que Executivos não Devem Cometer e Mais 100 Erros…, que em um ano venderam mais de 100.000 exemplares em todo o país. Desde então, vem sendo chamada por várias empresas para treinar seus quadros a falar e escrever corretamente.
Outro recurso que tem conquistado um número cada vez maior de interessados é o programa Nossa Língua Portuguesa, exibido pela TV Cultura diariamente em duas edições e apresentado pelo professor Pasquale Cipro Neto, que se tornou uma celebridade graças à sua maneira objetiva e direta de combater erros e cacoetes e esclarecer dúvidas. “Os erros mais difíceis de combater são aqueles perpetrados e sacramentados por pessoas influentes, que acabam servindo de modelo“, observa Pasquale, que dá, a seguir, algumas dicas de como evitar esses tais enganos.
Expressões a ser banidas
“A nível de…” – Apesar de ser uma das preferidas de ministros e figurões em geral, a expressão não existe na língua portuguesa.
“Ele não se encontra no momento.” – Quem fala corretamente o idioma pode acreditar que a pessoa em questão está sofrendo de um temporário surto de desajuste emocional. Dizer simplesmente que “ele não está” pode evitar mal-entendidos.
“No sentido de facilitar as coisas” – Melhor mesmo não complicar. Diga simplesmente: “Para facilitar…” – faz muito mais sentido.
“Enquanto mulher, não me sinto discriminada.” – O fator de discriminação deve ser o mau emprego da conjunção “enquanto”, que só tem conotação temporal. Melhor dizer: “Como mulher…”
Emprego de pronomes
“Não lhe entendi” , “há quanto tempo não lhe vejo!” – Entender, ver e todos os verbos que pedem complemento direto não combinam com o pronome oblíquo “lhe”. O certo é: “Não o entendi”, “não a vejo” etc.
“Vamos se encontrar.” – Impossível. A primeira pessoa do plural (nós vamos) nunca se encontra com a terceira do singular (se). Há que se dizer: “Vamos nos encontrar”.
“Entre ele e eu não há problemas.” – Engano! O problema, grave, por sinal, é que a forma correta é: “Entre ele e mim”.
“Exmo. Sr., em resposta à vossa carta…” – O “Exmo. Sr.” é uma terceira pessoa do singular, que, apesar de muito importante, não aceita o imponente “vossa”, destinado à segunda pessoa do plural. Escreve-se: “Em resposta à sua carta”.
Conjugação e concordância verbal
“Se você ver ele” , “quando eu propor”, “se lhe convir”, “se nós determos a inflação” etc. – O correto é “se você o vir”, “quando eu propuser”, “se lhe convier”, “se nós detivermos a inflação”, Nem sempre é fácil, mas tem que saber.
“Houveram muitos presentes.” – Ausente, no caso, é a concordância. Quando significa existir, o verbo haver é impessoal e não declina. Diz-se: “Houve muitos presentes”.
“Não se ouve queixas.” – Mas deveriam se ouvir. Esta é uma voz passiva sintética, que equivale a “queixas não são ouvidas”. O certo, portanto, é: “Não se ouvem queixas”, assim como “não se aceitam propinas”, “vendem-se apartamentos” etc.
Concordância de gênero e grau
“São meio-dia e meio.” – Duas vezes errado. Meio-dia é singular, e hora é feminino. Logo: “É meio-dia e meia” (mais meia hora). “É ela mesmo.” Não é. “É ela mesma.” “Segue anexo as faturas.” Novamente dupla falta. “Seguem anexas as faturas” é como deve ser.
Redundância
“Há quinze dias atrás.” Ou um ou outro. “Quinze dias atrás” ou “há quinze dias”.
“Tenho um amigo meu.” Não é preciso reforçar. Se você o tem, ele é seu.
“Pessoa humana.” – Pessoa ou ser humano. Como preferir.
Palavras mal pronunciadas
Vamos deixar claro: não existe adevogado (advogado), nem réfem (refém), nem rúbrica (rubrica), nem íbero (ibero), nem discreção (discrição). Também não se diz rúim, mas ruim, nem interim, mas ínterim. E, embora não venha ao caso, é importante saber que não há estrupos, mas estupros, nem sombrancelhas (e sim sobrancelhas), nem beneficiência (e sim beneficência). Na dúvida, consulte o dicionário.
Uso inadequado de expressões
“Propositura” (em vez de proposta), “penalizar o infrator” (em vez de punir), “prostrado em frente à porta” (no lugar de postado) etc. Muita gente acha que falar bem implica usar palavras imponentes. Para evitar essas confusões, o melhor recurso é ler muito.
Crase
Não há mistério: só existe quando os artigos femininos (a, as) se seguem à preposição “a”. Exemplos: “Vou à reunião das 14 h” (para a reunião), “em resposta às suas perguntas” (dando resposta para as suas perguntas).
Fonte: Revista Você S/A – Editora Abril – 2001

Vamos parar de 'estar falando' besteira?
Você pode gostar

Entendendo a Colocação Pronominal: Próclise, Ênclise e Mesóclise
11 de janeiro de 2025
O amor e a música
21 de julho de 2016